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100 Borboletas no estômago

100 Borboletas no estômago

Qui | 31.12.20

Ao fechar a porta

Tânia Garcia

Queridos netos, encontro-me no último dia do mês de Dezembro de 2020.
Daqui a 30 anos estarei sentada junto a uma lareira quentinha e no meu regaço estarão vocês a ouvir a história sobre este ano.
E irei contar o que os livros de histórias não vos irão ensinar.
Porque irei falar na 1a pessoa como nos afetou enquanto gente, que fomos mais que uma estatística de infetados, que fomos mais que números num gráfico, que se perdeu pessoas que eram o mundo de alguém e faziam parte da história dessa gente.
Irei contar como ficaram vazias as mesas e os corações este ano.
Irei contar que os vossos pais não celebraram mais um ano de vida com festa.
Irei contar que esse ano todos os pais foram professores nas suas próprias casa e de salas de estar e quartos, transformaram-se salas de aula.
Irei contar que a alegria e descontração outrora vividas entre nós, deu lugar ao medo e à desconfiança.
Nunca saberíamos se ou quando seríamos infetados, assim como não sabíamos a gravidade com que a infeção nos apanhava.
Os sorrisos transformaram-se em pedaços de pano/tecido na nossa cara.
As mãos pingavam de desinfetante.
As casas tinham cheiro a hospital.
Mas, em contrapartida, tivemos tempo para a família.
Tivemos realmente tempo para nos aproximar uns dos outros e descobrir que quando há amor, tudo se supera.
Foi dos anos mais difíceis para mim.
Mas foi o que mais me ensinou.
E quando vos contar as trapalhadas em que os vossos pais se punham...
Este ano foi duro e soube a muito mais que os 365 dias que o reclamaram para ele.
Mas neste dia em que escrevo sou feliz e realizada com o que tenho.
E é isso que importa ao fechar esta porta.
Que 2021 saiba a pouco de tantas coisas boas.

*imagem retirada do Google Chrome

 

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Sab | 26.12.20

Kika

Tânia Garcia

Desejei-te mesmo antes de existires.
Foste sempre tranquilidade, quando ainda eu própria estava a aprender a viver num mundo de gente grande.
Foi uma viagem a duas durante demasiado tempo e foste a minha âncora, mesmo quando não sabia navegar.
Aprendi, ri, chorei, caí e levantei na tua companhia mais fiel.
Éramos as pinypons, as invencíveis, o Rik e o Rok.
E depois entrou a tão famosa adolescência pela porta dentro.
E com ela trouxe um vendaval de finca pés, de discussões, de dramas, de chamadas à escola, de reuniões, de notas péssimas.
Houve momentos que me questionei enquanto mãe, que via os olhares de intolerância dos professores que não compactuavam com o método de ensino dentro das nossas quatro paredes.
Houve dúvidas, choros ao adormecer e ao acordar.
Senti-me qual gladiador entregue aos leões e aprendi que a comunicação escolar entre pais e professores que tanto nos tentam vender, simplesmente não existe, porque quando a luta é feroz, ficas sozinha na arena.
Só os bem comportados servem para estatística.
Mas como teimosa que sou não desisti de ti.
Foram noites em claro, foram centro de explicações onde sem a Maria José, a minha milagreira, não sei como tinha acabado.
Mas não te deixei para trás.
Aprendi a caminhar ao teu ritmo e a perceber em que casa moravam as manhas e desfiz os nós, um por um.
Hoje após tanta tempestade, vejo um raio de sol a espreitar pelo céu carregado de cinza.
O arco-íris espreita ao longe para fazer a entrada triunfante, mas ainda é demasiado cedo para içar a bandeira da paz.
Estamos em tréguas com o passado e caminhamos no presente com a determinação de fazer o melhor futuro possível para nele habitares feliz e realizada.
Hoje escrevo com orgulho a batalha que vencemos as duas.
Vejo como és enquanto menina e como será a mulher que espreita ao virar da esquina.
Só quero que sejas feliz na tua maneira destrambelhada de ser.
O mau feitio, esse, é hereditário.
Até amanhã.

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Seg | 07.12.20

E quando o inimaginável acontece

Tânia Garcia

Que ano este!
Estamos virados do avesso e todas as notícias que nos chegam a casa e que inundam o nosso lar têm o dobro do impacto.
A notícia da morte da Sara, fez com que todos os medos de mãe que adoram andar a remoer o nosso interior, despertassem qual dragão adormecido.
E a Sara é nada mais, nada menos que todas as Saras que partem cedo demais e que preferimos não ouvir, não saber, porque nos dói um pouco, porque percebemos a efemeridade da nossa existência e pior, da existência dos nossos filhos.
Após estas notícias,  sei que inconscientemente, nos dirigimos aos quartos dos nossos mundos e respiramos de alívio por saber que estão lá,  protegidos,  a respirar vida e sonhos.
E não queremos falar de perdas, porque sabemos que elas moram aqui já ao lado e que nos podem calhar a nós a qualquer momento.
E é nesse limbo de angústia que vivemos,
porque todas nós fomos a Sara, todas nós vivíamos a vida intensamente aos 19, aos 20, aos 21, com o sabor da imortalidade que nestas idades é quase impossível não o ter.
Porque os nossos filhos farão o mesmo.
E os filhos deles, e os filhos deles e por aí fora.
Não adianta destilar lições de moral mal aplicadas.
A vida é mesmo um sopro.
A Sara hoje descansa em paz, mas os pais começaram a viver o seu pior pesadelo.
Os clichés do aproveitar a vida ao máximo quadruplicaram por estes dias nas redes sociais.
Mas já não tentamos todos aproveitar as migalhas da vida?
A pergunta que fica no ar e é, como se vive depois disto?
A todos os pais, tios, irmãos,  amigos que perderam os seus neste ano devastado com perdas, os meus mais sinceros sentimentos e um abraço do mais apertado que há para aquecer os dias frios e nublados que se instalaram nos vossos lares.
Não vamos ficar todos bem, mas espero sinceramente que consigamos passar esta tempestade com os menores danos possíveis.
Até amanhã 🍀❤🕯

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*foto retirada do Pinterest